Portal com 30 mil reproduções de pinturas, fotos
e documentos do artista entra no ar no dia 21 de fevereiro
RIO - De todas as obras que levam a assinatura do pintor Candido Portinari (1903-1962), só 5% podem ser livremente apreciadas pelo grande público hoje em dia. A imensa maioria das peças integra coleções particulares e vive trancafiada em apartamentos ou escritórios espalhados pelos quatro cantos do mundo.
Incomodado com isso, há dez anos
o professor João Candido Portinari, filho único do artista plástico nascido em
Brodowski, interior de São Paulo, mergulhou de cabeça num projeto para
democratizar o acesso às pinceladas do pai. Agora, no dia 21 deste mês, ele
aperta um botão e lança na internet o Portal Portinari, espaço virtual que
reunirá imagens em alta resolução e informações detalhadas sobre mais de 5 mil
obras do artista, além de cerca de 6 mil cartas e aproximadamente 1.200 fotos.
O lançamento do portal contou com
um patrocínio de R$ 400 mil da Queiroz Galvão Exploração e Produção (atual
mantenedora do Projeto Portinari). Nele estarão, por exemplo, cartas que Carlos
Drummond de Andrade, Mário de Andrade e Vinicius de Moraes escreveram ao amigo.
Numa delas, o Poetinha comenta, por exemplo, o nascimento de João Candido: “Que
coisa tão boa, Candinho! (...) Quase tomei um pileque para comemorar!... Aposto
que você deve estar meio abestalhado, não? Eu ficaria se visse um bichinho se
mexendo de repente na minha frente.”
Também estarão na internet fotos históricas, como as da exposição de Portinari no MoMA de Nova York, em 1940, e do pintor trabalhando, com auxiliares, na criação dos painéis “Guerra” e “Paz”, em 1955. Isso sem contar as 130 horas de gravações com Luiz Carlos Prestes, Jorge Amado, Drummond, e outras personalidades da época. Como a página ainda está em testes, seu endereço só será divulgado pelos responsáveis na data do lançamento.
— Nosso objetivo é colocar a obra
de Portinari no colo dos brasileiros. — diz João Candido. — Demoramos mais de
30 anos para reunir, organizar, digitalizar e montar o banco de dados do
portal. Ele vai atender tanto aos jovens do primário quanto aos pesquisadores.
O portal, elaborado pela caos!
design, é apenas o primeiro passo de um pacote muito mais ambicioso que o filho
do pintor tenta emplacar pela cidade. No conjunto de ações para popularizar as
obras do artista, o herdeiro planeja ainda a construção de um museu dedicado a
Portinari, a transformação do casarão em que a família viveu no Cosme Velho
numa “casa-ateliê”, para ensino de arte, e a instalação de reproduções de
painéis famosos do pintor na futura estação de metrô da Gávea, que fará parte
da Linha 4.
Na última terça-feira, João
Candido deu o primeiro passo para transformar seus sonhos em realidade. Em
reunião com o presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, Washington
Fajardo, pediu que ele intercedesse junto à prefeitura para que ela anistie a
dívida tributária de R$ 400 mil que o imóvel tem com o município.
Desde a década de 1950, a casa
não é da família do pintor, que chegou a se exilar no Uruguai, mas, há alguns
meses, foi doada ao Projeto Portinari. Por conta da dívida, no entanto, João
Candido não consegue acertar a documentação e não pode participar de editais
para financiar projetos de restauro. Procurado pelo GLOBO, Fajardo não retornou
os pedidos de entrevista.
— Morei naquela casa até os 10
anos. Lembro-me do papai trabalhando e recebendo os amigos para macarronadas.
Mas o Projeto Portinari não tem dinheiro para quitar a dívida. Proponho até
pagá-la com catálogos raisonnés, que custam R$ 2 mil cada um — conta João
Candido, hoje com 74 anos.
Enquanto não desata o nó em torno
da chamada Casa do Cosme Velho, João Candido Portinari também tenta convencer o
governo estadual e a Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), de onde
foi professor, a entrar numa parceria pela construção do futuro Museu
Portinari. Desde 1992, ele guarda a sete chaves um projeto feito por Oscar
Niemeyer para um prédio de quatro andares em homenagem ao artista. Agora vê uma
chance de torná-lo realidade.
Para levar o metrô à Gávea, o
governo estadual vai demolir um dos prédios da PUC (o do Instituto Gênesis). Em
troca, comprometeu-se a erguer um novo. João propõe a ambos que o futuro prédio
seja o museu. A PUC, que teria um andar inteiro no edifício, diz que o projeto
está em fase de discussão interna.
— Quando Moreira Franco era
governador, ele destinou o terreno onde hoje é o Museu do Universo, na Gávea,
ao que seria o Museu Portinari. Saiu até no Diário Oficial do Estado, mas a
decisão nunca foi cumprida. Agora quero ver se esse sonho vira realidade — diz
o professor, que tem discutido o assunto com integrantes da administração
estadual.
As conversas de João Candido vão
além. O herdeiro propõe ainda instalar nas galerias subterrâneas da futura
estação do metrô da Gávea réplicas em tamanho natural (com 14 metros de altura)
dos painéis “Guerra” e “Paz”, pintados por Portinari entre 1952 e 1956 para
serem entregues pelo governo brasileiro como presente à Organização das Nações
Unidas (ONU).
— Além dos painéis, pensamos em colocar no corredor que ligará as duas saídas da estação, a que dará na PUC e a que levará à Rua Marquês de São Vicente, uma projeção em altíssima definição que chamamos de carrossel raisonné — conta ele. — Trata-se de um conjunto de fotos que podem ocupar uma parede de ter até dois metros de altura e que desfilariam em looping pelas paredes da estação. O vídeo, já exibido no Memorial da América Latina, dura 9 horas. Haveria pouquíssima repetição.
Procurado pelo GLOBO, o
escritório de arquitetura JBMC, que trabalha no consórcio da linha 4 do metrô
do Rio e, portanto, na estação da Gávea, alega a existência de uma cláusula de
sigilo no contrato assinado com o governo do estado para não comentar o
assunto. Já o governo, em nota, afirma que a proposta ainda não lhe foi oficialmente
apresentada.
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