Uma História de Amor e Fúria
Dir.: Luiz Bolognesi
Brasil, 2012
“Pardos,
nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas.” Já dizia Pero Vaz de
Caminha sobre os nativos de Vera Cruz. E em Uma História de Amor e Fúria, é
assim mesmo que eles aparecem... Com tudo à mostra. A animação, que de infantil
não tem nada e é mais voltada para o público adulto, narra a história de amor
entre Janaína e Abeguar – um guerreiro tupinambá que sobrevive aos séculos ao
assumir a forma de um pássaro. E põe séculos nisso: a narrativa dura seiscentos
anos, atravessando um tanto de acontecimentos históricos. O filme estreia no
próximo dia 22 de março nos cinemas.
“Viver
sem conhecer o passado é andar no escuro.” Com seus traços duros e uma
linguagem tradicional das revistas de histórias em quadrinho, o filme tem como
mote a internalização do passado, para que o presente não seja um completo
desperdício. Abeguar (Selton Melo), além de protagonista, é quem conduz a
narrativa. É sob sua ótica e perspectiva, que quatro fases da trajetória do
Brasil são desenhadas diante de nossos olhos: a colonização, a escravidão, o
regime militar e o futuro, em 2096.
No
comecinho da colonização portuguesa, no século XVI, a região da Bertioga era
considerada a transição entre o território tupinambá, que ia desde o cabo de
São Tomé, no que hoje é o Rio de Janeiro, até o rio Juqueriquerê, em
Caraguatatuba e o território dos tupiniquins, que ia desde as cercanias de São
Vicente, passando por Itanhaém e Peruíbe, até Cananeia. Sofrendo constantemente
com os ataques dos tupinambás de Ubatuba, os portugueses do núcleo vicentino
decidiram construir o forte de São José da Bertioga.
É mais ou
menos neste contexto que se dá o início do filme. Abeguar atinge sua
“maioridade” ou, trocando em miúdos, acaba de virar “macho” – segundo a
tradição tupinambá, o menino vira homem ao matar sua primeira onça – quando lhe
é concedida a “singela” missão de salvar o mundo da fúria de Anhangá. Opositor
direto de Munhã, espécie de guia espiritual indígena, Anhangá representa a
invasão dos portugueses, o extermínio dos índios e todas as mazelas decorrentes
disto, como a prevalência do mais forte sobre o mais fraco, do mais rico sobre
o mais pobre, do poder sobre a justiça.
A
vitória dos portugueses na Bertioga representa, também, a primeira falha do
guerreiro indígena, que vê sua amada Janaína (Camila Pitanga) morrer pouco
tempo depois. Destinado a se transformar em pássaro sempre que vencido pelo
“lado negro da força”, o espírito de Abeguar vaga até o ano de 1825 e só
desperta ao se deparara com uma versão maranhense de Janaína.
Durante
o período regencial brasileiro, o Maranhão algodoeiro passava por uma grave
crise econômica, devido à concorrência com os Estados Unidos. Aqui, o
protagonista aparece na pele de Manuel dos Balaios, um vaqueiro benfeitor dos
arredores de São Luís, que ajudava escravos fugidos das plantações e,
posteriormente, vem a se tornar líder da rebelião que ficou conhecida como
Balaiada. Os líderes balaios - na História e no filme - foram mortos em batalha
ou capturados. Abeguar/Manuel, claro, vira pássaro e dá prosseguimento à sua
jornada.
Ele
só reencontra Janaína – aquela que parece ser a única força motriz capaz de
transformá-lo em homem novamente e no herói que a História precisa, como previu
Munhã – no Rio de Janeiro de 1968, em plena Ditadura Militar. Abeguar é Cau, um
jovem estudante que adentra no dito (e fictício) Movimento Revolucionário da
Ação Democrática, uma fabriqueta de guerrilheiros esquentadinhos, para ficar
mais próximo da garota que de nada se lembra sobre suas vidas passadas. O velho
tupinambá vive em Cau até 1980, quando é baleado durante uma batida policial na
favela em que mora com o amigo Feijão, antigo companheiro de cela na época do
regime militar.
“Meus
heróis nunca viraram estátua. Morreram lutando contra os caras que viraram.” A
frase, que parece tentar resumir, ainda que de forma simplista, a História do
Brasil é uma crítica ao nosso passado e presente, mas também ao futuro. Futuro
este que, na visão do roteirista e diretor Luiz Bolognesi, está perdido. Da
década de 80, Abeguar alça voo para a futurística Cidade Maravilhosa de 2096. E
a partir daí são apenas previsões em tom de alerta. A “cidade mais segura do
mundo”, protegida por milicianos que têm até ações na bolsa de valores é também
a cidade do sexo, a cidade onde a água custa mais caro do que uísque importado.
Diz-se
da História que ela é sempre contada a partir do ponto de vista dos vencedores,
este filme é uma boa oportunidade para conhecer um pouco do amor e da fúria dos
derrotados.
Assista o clipe do filme em http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=e8pzqnvV4AY
Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/cine-historia/para-o-brasil-com-amor-e-furia
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