Mau estado de arquivos públicos compromete a Lei
de Acesso à Informação.
RIO, BELÉM, MANAUS, SALVADOR e TERESINA — Além de não estar regulamentada em 15 estados, a Lei de Acesso à Informação, sancionada em novembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, corre o risco de não ser totalmente implementada por causa do estado precário dos arquivos públicos estaduais no país. Muitos ficam em instalações castigadas por infiltrações e riscos de incêndio, e com sua capacidade de armazenagem saturada.
Em Belém, o Arquivo Público do Pará
não recebe mais documentos públicos desde os anos 1980, por não ter onde
guardá-los. Em Teresina, o horário de atendimento, que deveria ser das 8h às
18h, encerra-se às 13h, por falta de pessoal: o mais novo dos 21 servidores tem
26 anos de casa. Entre o material sob sua responsabilidade está, por exemplo, o
relativo à Revolta da Balaiada, do século XVIII, empacotado e colocado em cima
de estantes.
— Daqui a pouco essa turma se
aposenta e não temos quem colocar no lugar. Quando eles se aposentarem, o arquivo
fecha? — desabafa Luter Gonçalves, diretor do Arquivo Público do Piauí e
presidente do Fórum Nacional de Arquivos Públicos.
Rio sem espaço para 72 km de
documentos
Gonçalves diz que as piores
situações estão no Nordeste, mas há problemas, por exemplo, no Rio, onde ele
afirma existirem 72 quilômetros de documentos que não podem ser arquivados por
falta de espaço, tema tratado na última reunião do Conselho Nacional de
Arquivos Públicos, em dezembro.
O diretor do Arquivo Público do
Estado do Rio (Aperj), Paulo Knauss, negou que haja passivo tão grande de
material na fila de espera, mas admitiu que não há mais espaço físico. Calcula
que haja entre sete e nove quilômetros para serem arquivados.
Problemas de espaço também são
enfrentados pelo Arquivo Público do Estado do Pará (Apep) — ele não recebe mais
documentos de Legislativo, Executivo e Judiciário desde a década de 80, pois os
mil metros do prédio, que completa 112 anos no dia 16 de abril deste ano, desde
então não são mais suficientes para os mais de 4 milhões de documentos.
O espaço tem infiltrações e
curto-circuitos constantes. Este ano, deverá se mudar. A área do bairro do
Comércio, onde fica, é considerada pelo Corpo de Bombeiros e pela Centrais
Elétricas do Pará (Celpa) uma “bomba-relógio” pelo excesso de instalações
elétricas antigas e ligações clandestinas.
Na fachada do prédio, as paredes
estão pichadas, há detalhes em ferro oxidados e plantas crescendo em algumas
partes. Do lado de dentro, a arquitetura da Belle Époque é desfigurada por
infiltrações, fiações expostas e tocas de cupins, apesar das descupinizações
quinzenais.
Ano passado, uma licitação seria
feita para escolher uma empresa para restauro e manutenção do patrimônio
histórico. O projeto estava no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan) com o valor de R$ 2 milhões. Porém, a licitação não saiu do
papel. O atual diretor do Apep, Agenor Sarraf, afirma que o arquivo precisa se
mudar, ter novo organograma; contratar mais pessoal, capacitar mão de obra ou
importar profissionais:
— A expectativa é fazer as
mudanças este ano. Também precisamos de mais computadores, cadeiras, mesas,
estantes, prateleiras, armários.
Com apenas cerca de quatro
quilômetros de documentos textuais — além de fotos, mapas, filmes e outros
materiais —, o Aperj não tem sequer sede própria. As atuais instalações
funcionam em Botafogo, num prédio cedido pela RioTrilhos.
A construção da nova sede do
Aperj foi anunciada em 2009. A previsão era que a obra terminasse em 2014, mas
até hoje não começou. Enquanto isso, no prédio cedido pela RioTrilhos, há
problemas na fachada, no telhado e nas instalações hidráulicas. A restauração
está sendo feita pela Empresa de Obras Públicas do Estado (Emop), por R$ 325
mil.
— Estamos na fase de contratação
de projetos de execução de obra (da nova sede). Queremos começar ainda este ano
— afirma o diretor do Aperj, cujo acervo, em 2011, foi considerado de
importância histórica mundial pela Unesco.
Paulo Knauss admite que, nas
atuais condições, o acesso dos visitantes é comprometido:
— Prejudica o acesso ao público e
também a transparência do Estado.
Além do Aperj, o Rio tem ainda o
Arquivo Geral da Cidade do Rio, na Cidade Nova. Administrado pela prefeitura,
também tem problemas. No 3º andar, boa parte do teto está destruída. Há
infiltrações, e a fiação elétrica fica exposta. A Casa Civil, pasta responsável
pelo arquivo, diz que o local passará por reformas de R$ 4,7 milhões, incluindo
a parte hidráulica, elétrica e sistema anti-incêndio.
Professor de História do Brasil
da UFRJ, Carlos Fico alerta sobre as condições dos arquivos:
— As instalações não são boas. Os
prédios são inadequados. Governadores e prefeitos não têm dado a devida
atenção. As situações críticas são frequentes, não só no Rio, mas em todo o
país. Falta percepção de que não são instalações menos importantes que as de
outros órgãos.
Outro exemplo de problemas de
infraestrutura é o Arquivo Público da Bahia (APB), criado em 1890 e detentor de
documentos desde os tempos da Colônia e do Império, como as cartas régias originais.
A construção que abriga sua sede desde 1980 data do século XVII, é tombada pelo
Iphan, mas há pelo menos 40 anos não passa por restauração, segundo a diretora
do APB, Maria Tereza Mattos.
Ela aponta que o prédio não é
adequado: é úmido, com fiação antiga, e precisa passar por ampliação e
modernização. É possível ver infiltração nas paredes. Há rachaduras no forro, e
parte do telhado foi interditada, por risco de desabamento. O custo de manutenção
da instituição é alto, por se tratar de um prédio histórico em que qualquer
intervenção tem de atender a exigências do Iphan. E são apenas seis
funcionários trabalhando na restauração do acervo de mais de 20 quilômetros.
No Amazonas, baldes nos corredores
A sede do Arquivo Público do
Amazonas passou pela última reforma há 19 anos. É possível ver os documentos
empilhados no corredor principal, em contato direto com o chão úmido. O teto
está tomado por goteiras, e baldes foram espalhados pelos corredores na
tentativa de impedir que a água chegue aos documentos. Um funcionário contou
que, no último temporal que atingiu a cidade, parte do teto da sede desabou.
Data de 1852 o documento mais
antigo do acervo. Sem luvas, pinça ou outro instrumento de proteção, é possível
ter acesso ao material. Uma única funcionária, sem formação ou especialização
em História ou Arquivologia, e que deve se aposentar no fim do ano, cataloga
esses documentos. Do acervo histórico, nem 40% chegaram a ser digitalizados.
O historiador Ygor Olinto Guarani
critica a administração estadual pelo descaso:
— Cada livro precisava ser
cuidadosamente higienizado. O problema é que não há no local um técnico ou
profissional para isso.
Os arquivos enfrentam ainda a
falta de pessoal. É o caso do Arquivo Público do Piauí, que desde 22 de
dezembro está aberto das 8h às 13h, pela falta de funcionários para o
funcionamento até as 18h, horário em que encerrava suas atividades. O arquivo
atende 60 pessoas por dia e tem 1,3 milhão de documentos. Mas possui só 21
servidores efetivos.
Responsável pela encadernação das
coleções de documentos, Rossini Muniz, de 57 anos, tem 40 de serviço formal na
instituição. E faz seu trabalho em prensas e guilhotina com cem anos de uso.
(* Especial para O GLOBO)
Leia mais sobre esse assunto em
http://oglobo.globo.com/pais/mau-estado-de-arquivos-publicos-compromete-lei-de-acesso-informacao-7350769#ixzz2Ic7opXiM
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